Cuidar da minha felicidade pra ver o que acontece

30 de setembro de 2022

a hora se estendeu entre o fim do expediente e o início da aula. deu tempo de tomar banho quando soube que o amigo do namorado estava pra chegar. ainda estava suja do dia anterior, quando tomava sauna com o matheus. foi uma delícia, mas não o suficiente para soltar a tensão do ombro esquerdo.

o dia havia sido massa, e agora era sexta feira. ela era livre para sair o dia que fosse, mas não saía por culpa, e sentia culpa se sexta feira não saísse também.

desde o antepenúltimo dia do mês ela aproveitara o mercúrio retrógrado para mergulhar em sua própria vida e entender quais caminhos queria seguir. fazia muito isso. passou muitos anos planejando, acompanhando meticulosamente o “por fazer”. agora chegou a hora.

sua entrada na aula da bruxa da raba era uma das coisas que ela estava já com a ideia de fazer há um tempo. acabou o expediente e foi.

estava de banho tomado, short de pijama e blusa laranja com um tecido macio, uma mistura de camurça e algodão. a aula, pelo zoom, começou com a gente (umas sete mulheres) deitadas fazendo um arco com o nariz, simplesmente relaxando a cabeça prum lado e pro outro.

a presença que isso trouxe, o relaxamento (ou a falta de relaxamento) do meu tronco sob o duplo tapete de yoga. aos poucos começamos a fazer círculos com os pés, e a abraçar um joelho de cada vez, e soltar os quadris ao chão, com a diferença de que, não sendo uma aula de yoga, podia rebolar.

e a gente rebolou. fiz movimentos que não sei se minha capacidade de escritora me permite descrever. imagine a cena: sabe como é uma mulher em pose de borboleta? a coluna ereta, os pés unidos à frente, bem pertinho da pele, os joelhos apontando pra fora, em direção ao chão.

a posição que estávamos era a do diamante. nesse caso, os pés da borboleta vão pra frente, enquanto os joelhos continuam eretos pra cima, se alongando para as laterais, e a mulher alonga a coluna descendo com a lombar ereta.

então, mantém o movimento de borboleta, em que os joelhos ritmicamente pendem ao chão. só que dessa vez, as pernas estão abertas como se pudessem abrigar um homem (ou uma mulher) dentro. e além do movimento da borboleta com os joelhos, adicionamos os quadris.

pra frente e pra trás, pra frente e pra trás.

em outros momentos – ela sempre fala pra gente quando se sentar se sentar bem sobre os ísquios, os dois ossinhos pilares da bunda – ela incentiva que abramos bem as pernas, mantendo os pés eretos o máximo possível pra cima, enquanto brincamos com as nossas cócoras, ora jogando o peso do corpo prum lado, ora pro outro.

e, assim, esfregando o nosso assoalho pélvico no chão.

eu nem sabia que isso era permitido.

continuamos a aula numa sequência de posições que referenciava a yoga, mas também tinham muito da simples (e profunda) intimidade de uma mulher com seu próprio corpo.

xuxu virei poliglota
falei sua língua e a língua da sua xshhh…
a gente chega lá de vela, barco, na-dan-do
travelling to iriri, moreré, jurerê
dois mineiros igual a gente, é?
mais você na minha caeça
vai-vem, vai-vem, vai-vem

a aula seguiu com alguns alongamentos de quadril, alguns um pouquinho rítmicos (nota: essa era ainda apenas uma aula de alongamento da tal da bruxa da raba, as aulas de twerk dança ainda não haviam começado).

eu passei o dia trabalhando de casa. tenho um caderno da gratidão em que muitas vezes anoto o fato de ter dormido até tarde e descansado. faço isso um pouco porque moro na cidade e não tem sol e não tem água e não tem vista. eu realmente me sinto muito cansada.

é bom poder dormir, mas eu tenho entrado em um movimento confortável demais. para não ter que lidar com o barulho das obras (está subindo um prédio ao lado e eu trabalho de casa, começa as sete e termina às três ou quatro da tarde) eu durmo até as nove. fico cheirando meu namorado.

ele é mais bonito de perto que de longe. quer dizer, não tem ângulo que ele seja mais bonito do que quando a gente tá deitado junto na cama. ele tem uns cachinhos que ficam mais bonitos ainda dentro de casa, quando ele fica de camisa de manga longa e bermuda folgada. o cabelo alto na cabeça, cacheado, cheio de ar.

mas ele não sai assim na rua. ele gosta dos cachinhos dele bem definidos a alinhados, levemente presos na cabeça de creme finalizador. na rua, ele tem um estilo meio de roqueiro. ele tem dois metros, esqueci de dizer.

samuel.

ele é muito cheiroso e no dia que nos conhecemos logo descobrimos a coincidência da gente usar o mesmo perfume, mas eu na versão feminina e ele na masculina. issey miaky, l’eau dissey. na pele de cada um fica dum cheiro.

e o melhor de tudo é que ele é muito cheiroso, então dá vontade de ficar mergulhando no pescoço o dia inteiro, principalmente de manhã, quando é barulhento lá fora, e quentinho e confortável aqui dentro.

sou alta, mas ele é gigante; é bom que posso escalá-lo e me sinto completamente protegida dentro dos seus braços. ele é magro (mas tem uma barriguinha, ele acha que é mais magro do que realmente é: come por dois) não tem pêlos no corpo.

tem o cabelo aneladinho, como falei, bom de enroscar os dedos. e ele tem olhos puxadinhos, e de uma cor que é o que chamam de folha seca, mas no caso dele são vivas… mas eu tava falando do cheiro dele, do cheiro que se concentra, que emana do seu corpo morno… e o cheiro com que ele respira, e parece café, baunilha, capuccino.

enfim, do tempo do fim do expediente até a aula de dança, eu suja, sem banho desde o dia anterior quando tomava sauna com o matheus, meu amigo.

depois do trabalho (remoto, e hoje tudo correu bem, fui produtiva ao fazer um post rico sobre financiamento climático, nova economia de carbono – estamos vivendo essa transição da matriz energética humana, e eu trabalho numa consultoria que ensina grandes organizações público e privadas a fazer essa transição – depois tivemos uma reunião e finalmente, depois de 5 meses e meio de empresa, eu finalmente começo a me sentir confortável) fui enfim tomar banho.

o peixe, amigo do samuel, havia chegado em casa. trouxe um haxixe. dei umas bolas pós banho, penteando o cabelo. deu tempo ainda de arrumar o quarto que é também meu closet e escritório.

eu estava, então, de banho recém tomado (depois de umas 28 horas sem banho) cabelo hidratado, fresquinha. não sabia ainda onde deixar o computador e como me posicionar pra câmera, mas a deixei ligada e me entreguei à experiência.

a professora, lara barcelos, se filmava verticalmente, a partir de um celular. muitas de nós estávamos de computador mesmo. fiquei com medo de como apareceria na câmera.

na posição que eu trabalho, a cadeira afastada para os lados, eu no chão.. aparecia na tela apenas as minhas pernas de longe. depois desci o computador e fiquei bem perto. queria ampliar a minha imagem para me ver mais de perto, mas aí perderia a imagem-explicação da professora em sua câmera vertical.

eu me olhava de longe e tinha medo da minha presença. o que será que elas estariam pensando de mim? será que não gostam de mim? olha como sei fazer bem o alongamento, sou flexível

estou enferrujada mas sou flexível
sou esquisita mas sou flexível
sou esquisita mas sou bonita

posso achar meu cabelo meio ralo nas pontas às vezes, demora a crescer, sair do ombro, mas agora ele parece cheio, e eu, cheinha, cheia, harmônica com ele

com carnes

sentindo ali minha pelve, meu quadril, ir pra frente e pra trás, pra frente e pra trás
e esticar a coluna e abrir o peito e deixar o corpo pesar sobre o ombro e relaxar na posição

e de repente ela falou, acabou, podem ir voltando

e então eu retornei, transformada

ela abriu o microfone e embora fosse a minha primeira vez, eu pedi pra falar

– eu só posso agradecer, foi minha primeira vez

escreveu também no começo da aula
talvez resgatando como se apresentou no chat da sessão, consiga lembrar melhor o que falou ao final

a professora pediu que pessoas novas se apresentassem
depois da juliana caminhas, ela escreveu

– luisa
luísa loes
agradeço a oportunidade de estar aqui

e depois ao final, depois de ter passado por muitos momentos internamente, pensando no quanto de espaço ela ocupava no espaço da sua própria webcam, de dentro da sua própria casa, que ela tinha direito de estar ali, e direito de ser ela,

– licença, mas posso dar um depoimento?

meu nome é luísa, eu trabalho com redes sociais, mas eu sobretudo sou viciada em redes sociais, então eu não tenho redes sociais, minhas, pessoais.

então pra mim é muito especial estar vivendo isso aqui, a internet como uma potência tão forte de vida, de movimento, de encontro consigo mesmo. lara, você é realmente uma bruxa.

eu agradeço a oportunidade de ter achado vocês, essa comunidade de mulheres se conectando por aqui de uma forma tão profunda e intensa.

a possibilidade de conhecer meu corpo dessa forma é realmente um presente, que acontece justamente quando eu volto para a umbanda e o candomblé.

eu tenho uma revista chamada pupila, e eu quero continuar esse papo com você por lá, e eu espero ver todas vocês de novo, tanto por aqui quanto na vida real, vida à fora

e todas acolheram e todas entenderam sobre o que ela tava falando.

ela falou aquilo tudo do chão do seu quarto de trabalho, com a porta aberta. a cadeira sob o vão da porta. o namorado lia na cama do quarto ao lado. então, ela saiu, com aquele ar de quem descobriu uma coisa nova que pode mudar a vida, como quando ela foi pela umbanda pela primeira vez e chorou por quatro horas seguidas e quando o namorado da época foi buscá-la falou que ela ostentava aquele ar besta de pessoas com religião.

por alguns segundos ela temeu o que o namorado falaria sobre essa sua nova experiência transformadora. teve vergonha. ela sabia que todo o seu corpo vibrava e tremeluzia luz.

ela sabia que ostentava um ar meio bobo tresloucado

ele falou batendo o marca-texto de papel nela “ah safadinha, eu vi você mascando a professora” “não, eu juro” “ah aposto que você ficou atraída por ela” “não fiquei eu juro” (…) “entende, eu te amo, eu quero ficar com você” “tô brincando, amor, como foi?” “é magico” “teve raba?” “não, hoje foi só alongamento” (…) “eu não sabia nem que era permitido fazer esse tipo de coisa, ela me fez relar no chão, rebolar… e não num sentido sexual, simplesmente no sentido de que… eu posso fazer isso”

e ele entendeu.

e ele falou, vem cá, mas ela falou, não, vou fazer outra aula. e ele foi atrás dela.

e se abraçaram, e se beijaram. e ela encaixou a cabeça por debaixo do peito dele, e sentiu o que saía do seu coração, e sentiu os tufões de energia que corriam em torno dele, e falou

– eu demorei muitos tempo pra entender que eu te amava tanto
você sabe que eu te amo, né? você sente?

ele assentiu com a cabeça e a trouxe pra mais perto do peito

– a gente é feliz, né amor?

ela concordou

– a gente se diverte, ele continuou

ele, gigante, minha cabeça encaixada sob seu queixo, minha testa em seu coração. o sentimento do universo.

– obrigada por tudo

– eu te amo… eu que te agradeço

– sério, obrigada por existir e por ser você a estar aqui

– é claro que seria eu, não teria outra pessoa

– como assim? é uma questão de escolha…

só podia ser a gente, isso aqui é único

ah sim

e então foi assim que começou, uma história de amor que ela se permitiu viver

…eu mereço ser feliz
vou cuidar da minha felicidade
pra ver o que acontece

(desafio: cuidar do corpo – chackra base e sexual)

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