Galego safado, comunista e baiano

O defeito que vi no começo de “Gabriela, cravo e canela” se revela genial qualidade pela metade do livro. É que o livro demora a começar, quer dizer, Gabriela – retirante que vai do sertão para a próspera terra do cacau, Ilhéus – demora a aparecer.

O negócio é que antes de apresentar Gabriela, Jorge Amado nos apresenta Ilhéus, terra de bar, de dinheiro farto, cabaré e coronel. Em terra em que sempre mandou quem pôde e obedeceu quem tinha juízo… novas forças políticas começam a emergir e criar rachaduras sobre as velhas fundações.

A dependência do lucro do patrão sobre o trabalho do empregado

No primeiro dia de sol depois de um longo período de chuva que ameaçava grandes perdas às produções cacaueiras, Filomena, a preta velha que cozinhava no bar do árabe Nacib finalmente cumpre a antiga promessa de ir morar com o filho longe dali.

Nacib fica desesperado. Pagar preço de encomenda às irmãs dos Reis, velhas cozinheiras católicas autônomas, pelos quitutes que a preta Filomena fazia aos tabuleiros diariamente por ordenado mensal, fixo e baixo… significaria sua falência certa.

Ali, na próspera Ilhéus, cozinheira valia ouro e era disputado à tapa – ou bala – pelos prósperos fazendeiros de cacau. Depois de rodar a cidade de cabo à rabo, conversar com meio mundo de gente, receber um sonoro não das baianas nada dispostas a largar a autonomia de seus tabuleiros próprios pra trabalhar fichadas pra patrão…

Nacib decide ir no “mercado de escravos” (a expressão usada no livro é essa) onde ficam os retirantes que chegam de todo sertão pra ali trabalhar, e receber quanto o patrão tivesse disposto a pagar, mas com alguma esperança de naquela terra fazer a vida e quem prosperar a ponto até de virar fazendeiro de cacau.

Eis o sonho de Clemente, o homem – ou um dos homens – que faz companhia à Gabriela, que embora coberta de pó e fuligem, o corpo sem ver banho e o cabelo sem ver pente, há muitos e muitos dias (meses?), caminhava como quem levitava pelos caminhos que levavam do sertão ao litoral de Ilhéus.

Se homem pode, porque mulher não pode?

O lado progressista de Jorge Amado em 1958

Nesse mesmo primeiro dia de sol depois da longa temporada de chuva – dia que Filomena foi embora, deixando doido o árabe Nacib – outro acontecimento marcou a cidade. Naquele dia, aconteceu também o assassinato de Sinhazinha – esposa de um coronel – e o dentista Osmundo, seu amante.

O coronel pegou os dois pelados, ela apenas com uma meia negra a subir-lhe a perna branca até a metade das coxas. Matou com tiros no peito. A notícia do assassinato correu a cidade e encheu o povo do que comentar tomando cerveja e comendo aperitivos. O bar do Nacif lotou de povo a comentar e beber… e ele sem cozinheira.

Ninguém tirava a razão do coronel, ali em Ilhéus, terra em que os homens sempre terminavam o dia em cabarés e montavam casa completa para as amantes até mesmo em praça principal, honra de marido traído se lavava era com sangue.

O autor (onisciente) tem muito êxito em transitar pelas consciências dos personagens, passeando pelo íntimo de cada um – inclusive da jovem Malvina (uma proto-feminista do sul da Bahia?) – com muita naturalidade.

“- Não quero filha doutora. Vai pro colégio de freiras, aprender a costurar, contar e ler, gastar o seu piano. Não precisa de mais. Mulher que se mete a doutora é mulher descarada, que quer se perder.”

Malvina, filha do coronel Melk Tavares, é uma moça com brilho diferente de inteligência no olhar, gostava de ler e se prometia não ter destino igual da mãe, que só sabia obedecer e servir. Odiava Ilhéus e tinha esperança de se casar com homem que escolhesse. Não lhe importava amor, mas que o homem com que casasse lhe permitisse ser livre.

“Dera-se conta da vida das senhoras casadas, igual à da mãe. Sujeitas ao dono. Pior do que freira. Malvina jurava pra si mesma que jamais, jamais, nunca jamais se deixaria prender. Conversavam no pátio do colégio, juvenis e risonhas, filhas de pais ricos. Os irmãos na Bahia, nos ginásios e faculdades. Com direito a mesadas, a gastar dinheiro, a tudo fazer. Elas só tinham para si aquele breve tempo de adolescência. (…) Chegava um dia o pai com um amigo, acabava o namoro, começava o noivado. Se não quisesse, o pai obrigava. (…) Depois de casada, não fazia diferença. Era o dono, o senhor, a ditar as leis, a ser obedecido. Para ele os direitos, para elas, o dever, o respeito. Guardiãs da honra familiar, do nome do marido, responsáveis pela casa, pelos filhos.”

Uma amiga de Malvina havia se casado por amor, assim pensava. O marido era doutor – não fazendeiro de mentalidade atrasada – recitava versos. Ainda assim, sucedera tudo igual, a mulher perdendo o brilho, a obedecer e a servir.

Os desejos de Gabriela e a relação romântica entre patrão e empregada

No livro “Gabriela – cravo e canela”, assim como em “Dona Flor e seus dois maridos”, as mulheres têm desejo sexual e vontade própria, lidam com os desafios do machismo imposto pela sociedade e vão construindo seus caminhos de liberdade. Isso em romances populares, na década de 50 e 60.

Gabriela se enreda com um companheiro retirante de forma muito leve

E também em Dona Flor e seus dois maridos vemos uma protagonista que tem desejos sexuais

Malvina –

Retrato do racismo da época… ou racismo mesmo?

Capitães de areia cena derrubam negrinhas no areal

Protagonista louro no meio daquilo tudo

O Vadinho também era galego

Sempre fala sobre a predileção por negras quentes

Mulatinha, etc.. será anacronismo?

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