Yaa Gyasi author of Homegoing

Tataravô, onde é que está? Histórias ancestrais perdidas e silenciadas na narrativa de Yaa Gyasi

Meu avô espanhol, a vila italiana de onde veio meu bisavô, minha cidadania portuguesa.

Por toda a América, incluindo o Brasil, o conhecimento da ascendência é um privilégio branco. As origens africanas na maior parte das vezes foram apagadas pela escravidão e pouco se sabe sobre as histórias de quem veio antes e foi trazido à força para esse solo estrangeiro.

Através de pesquisa histórica, criação literária, muita sensibilidade e alguma abertura mediúnica, o livro “A caminho de casa” da escritora ganense Yaa Gyasi puxa essa teia de ancestralidade, em uma narrativa que acompanha a história de personagens de diversas gerações de uma mesma linhagem sanguínea desde as aldeias fânti-axânti na Costa do Ouro em 1760 até os Estados Unidos dos anos 2000.

De maneira simplista, eu poderia dizer que o livro trata a história de duas irmãs (que nunca chegaram a se conhecer) e seus descendentes, e que cada capítulo apresenta a continuidade de uma delas, em uma outra geração.

Para entender a narrativa, dá vontade de fazer a árvore genealógica (à la Cem Anos de Solidão). São catorze (!) personagens principais que dão nome aos capítulos, além de outros tantos pais, madrastas, irmãos, maridos, chefes tribais, grandes homens, algozes, senhores de escravos, amigos, namorados e outros personagens secundários.

De começo, uma coisa que me impressionou muito foram as relações de captura de escravos de outras etnias pelos próprios africanos. O livro mostra como essa dinâmica de escravidão local se expande exponencialmente em escala e crueldade com a participação dos europeus.

A própria Maame, a mãe das duas irmãs cuja linhagem acompanhamos, era uma mulher ashanti que foi mantida cativa em uma vila fanti, e que, quando foge, acaba perdendo Effia, a filha cujos descendentes acabam ficando em África, enquanto a outra, Esi, é enviada escravizada para a América.

Foto: Renell Medrano

Maame, o ponto anterior ao ponto de partida do livro, acaba não tendo nenhum capítulo dedicado a si. Conhecemos a sua história na medida em que descobrimos os segredos de Effia e Esi, suas filhas.

A força de seu legado, entretanto, persiste por gerações… tanto através de um colar de pedra negra brilhante que Effia e Esi conseguem proteger e seguir por muitos anos com seus descendentes, como através da força de sua presença ancestral, em sua luz-sombra-fogo, potências, dores e traumas que passam de geração em geração até serem trabalhados através da insônia e da loucura de Akua, cujo contato com os ancestrais através do grande oceano é fundamental para o apaziguamento daquela linhagem.

The Baayfalls, Jordan Casteel, 2017
Oil on canvas 90 x 78 in. (228.6 x 198.12 cm)

Outra pessoa que tem uma abertura maior com os ancestrais é Marcus, afro-americano acadêmico na virada do milênio, criado em uma família evangélica. A passagem a seguir descreve o sentimento que pode ter inspirado a própria autora em escrever esse livro:

“Naquela sala, com sua família, de vez em quando ele imaginava uma sala diferente, uma família mais completa. Imaginava com tanto empenho que às vezes achava que podia vê-los. Num momento, uma cabana na África, um patriarca, segurando um machete; em outro, lá fora num palmeiral, um monte de gente assistindo a uma jovem carregar águana cabeça. Outras vezes, num apartamento apertado com crianças demais, ou uma fazendola fracassada, em torno de uma árvore em chamas ou numa sala de aula. Ele via essas coisas enquanto sua avó orava e cantava, orava e cantava, e sentia uma vontade louca de que todas as pessoas que ele criava na cabeça estivessem ali, naquela sala, com ele.

Ele contou isso à avó depois de um desses jantares de domingo, e ela lhe dissera que talvez ele tivesse o dom das visões. Mas Marcus nunca pôde se forçar a acreditar no deus de Ma Willie, e por isso, continuou a procurar pela família e a buscar por respostas de um modo mais concreto, através do que pesquisava e do que escrevia. “

Eu adoro ler mulheres africanas e acho que elas tem uma capacidade fenomenal de contar histórias.

À caminho de casa é um livro com uma estrutura muito corajosa (e que com certeza demandou muito trabalho) por parte de Yaa Gyasi, escritora que lançou esse livro aos 26 anos e vendeu mais de um milhão de cópias em seu romance de estreia, tendo ganhado vários prêmios com a obra.

A coragem do formato e o conteúdo das histórias me pegou muito. Fiquei encantada pela capacidade da autora de viajar por diferentes épocas e locais, assumindo o ponto de vista de personagens. A escrita em si, entretanto, é simples e bela.. mas não especialmente impactante, o que pode ser decorrente da tradução.

De qualquer forma, esse é um daqueles raros livros que a gente não consegue parar de ler. Um livro cuja história me prendeu completamente e dava vontade de ler até no horário de almoço.

Naturalmente alguns personagens são mais bem desenvolvidos que outros. Às vezes, ao ler o livro a sensação é de uma névoa – o que aconteceu antes? Quem era mesmo a mãe dessa pessoa? É uma sensação parecida com o que sentimos em relação a nossos próprios antepassados. Afinal de contas, quanto nós sabemos sobre além de nossos próprios avós?

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