Eu tenho uma teoria que o ser humano deve buscar se realizar em cinco áreas da vida:
- Profissional-financeira,
- Criativa-artística,
- Afetiva,
- Social,
- Espiritual.
Acredito que todo ser humano (todo mesmo) tem uma potência criativa, que pode se manifestar de diversas formas, artísticas ou não.
Se cada ser humano tivesse a oportunidade, o incentivo, o tempo, a coragem e a dedicação de desenvolver essas suas pulsões e habilidades criativas, com certeza seríamos uma sociedade muito mais feliz, livre, madura, aberta ao novo e à diferença.
…Enfim, vou falar um pouco sobre cada área da vida e o que estou fazendo para me desenvolver nelas.
1. Profissional/financeiro
Sabe essas cinco áreas da vida que eu falei que acho que o ser humano deve buscar se realizar? Por um bom tempo eu não soube direito diferenciá-las, de modo a nutrir cada uma separadamente. Meus esforços acabavam visando encher todos (ou quase todos) esses potes de uma vez só: no trabalho.
Como uma boa criança de classe média da década de 90, cresci embalada pelo sonho de “você pode ser o que quiser”, “deve trabalhar com o que ama” e pela crença cheia de culpa de que “o dinheiro corrompe o homem e é a fonte de todo mal”.
Esse combo – somado a um berço privilegiado, uma boa dose de idealismo e uma relação passional com o trabalho – fez com que desde sempre eu me movesse muito mais por amor do que dinheiro no campo profissional.
Dos 20 aos 29 anos atuei na cultura; trabalhei por coletivos e causas que eu acreditava (acredito), ganhando nada ou muito pouco pra isso.
Fiz de um tudo, me permiti experimentar.
Passei por tudo quanto era função dentro da comunicação de instituições culturais, ao mesmo tempo que trabalhava de maneira independente por cenas e movimentos que me inspiravam.
Tive blog feminista, fui DJ, produtora de eventos, roteirista, diretora e editora audiovisual, e por aí vai…
Tudo isso foi válido, ganhei muita experiência, mas no fim das contas me sentia uma amadora em tudo que fazia (não era especialista em nada) e também não estava recebendo um montante que valesse todo o desgaste que eu tinha.
Hoje vejo que além de estar em busca da minha própria voz e em dar vazão à minha pulsão criativa…
…Eu trabalhava muito para pertencer, para estar junto das pessoas que eu admirava.
Paradoxalmente, eu ainda não sabia bem trabalhar em equipe, essa habilidade que assim como a liderança não é necessariamente uma coisa inata, mas sim algo que pode ser desenvolvido. É engraçado como a sociedade nos educa desde a infância para a competição e depois nos cobra não sabermos trabalhar em equipe. Enfim.
Eu me orgulhava de ser uma pessoa multitarefa. Trabalhava com equipes ultra reduzidas e sem grana, e pra piorar as coisas ainda era um tanto quanto centralizadora: queria levar o mundo nos ombros e dar conta de tudo sozinha.
Ao invés de canalizar a minha energia em um (ou poucos) projetos, eu atuava em várias frentes ao mesmo tempo, todas com pouco potencial lucrativo, e esperava que a partir delas eu me realizasse profissional, financeira, criativa, artística, afetiva e socialmente.
Obviamente não rolava.
Não ganhei dinheiro e perdi amigos. Trabalhava de casa, ficava o dia trancada no quarto. A noite virou dia. O que era lazer, virou trabalho; conhecer pessoas e conversar com os outros, apenas networking.
Na medida em que meu nome ganhava maior projeção nas ruas e nas redes, eu me afastava ainda mais de quem realmente se importava comigo. Virei presa fácil de um relacionamento abusivo.
A vida precisava mudar.
Dizem que a prostituição é uma parada viciante, um dinheiro supostamente fácil, que é difícil largar. Produzir eventos pra mim era mais ou menos a mesma coisa. Não que seja fácil, porque dá trabalho pra caralho, é estressante…
…E ao mesmo tempo é uma roleta russa. Esse mês dá certo e entra uma grana, no mês seguinte você tem prejuízo ou fica no zero-a-zero, o que meio que dá no mesmo, já que a fatura do cartão e seus juros abusivos vão ser debitados do mesmo jeito, seu evento tendo sido um sucesso ou não.
Enfim, depois de muito pensar e sofrer, no fim de 2019 (pouco antes do início da pandemia) um pequeno roubo – golpes e passadas de perna são bem comuns na noite – me aposentei de tudo que fazia (produção de eventos, discotecagem, produção audiovisual) e fui tentar ser feliz em cada uma das áreas.
Busquei e consegui um emprego fixo, virei coordenadora de comunicação de uma organização social, cujo corpo de colaboradores era diverso, composto majoritariamente por mulheres negras, pessoas trans, etc. O salário era baixo, mas o discurso era lindo: letramento digital e empreendedor para jovens periféricos.
Embora diversa à primeira vista, a organização era completamente hierarquizada, administrada por um dono que era como um Bolsonaro de esquerda. Autoritário, grosso, incompetente. Desempenhei uma ótima gestão (modéstia à parte) mas fui demitida por entrar em choque com o tal chefe.
Foi a melhor coisa que me aconteceu. Dois meses depois da demissão e depois de inúmeros currículos enviados, arrumei um novo emprego (remoto e CLT). Saí de coordenadora para analista de marketing júnior, em uma empresa de sustentabilidade B-certificada (que busca melhorar a sociedade como um todo, e não apenas lucrar a qualquer custo) e com selo “Great Place do Work“.
Sou responsável pela comunicação da escola de ESG dessa consultoria ambiental. A empresa está crescendo muito e a ideia é aprender e crescer junto com ela.
O que quero hoje pra minha vida nesse sentido
Já trabalhei com cultura, direitos humanos e agora com sustentabilidade. Já passei pela umbanda, pelo rap, pelo feminismo. Movimentos lindos na teoria, que na prática são feitos por seres humanos, e assim, sujeitos à suas falhas, dualidades e contradições.
Não entro em mais nada supondo que as pessoas são boas porque fazem parte de discursos bonitos, ou que tem bom coração ou princípios porque são talentosas… Aprendi à duras penas que uma coisa não tem nada a ver com a outra.
Também amadureci minha relação com o dinheiro. Hoje entendo que este em si não é bom nem ruim. O planeta Terra não vai se tornar um lugar mais justo porque eu acho que o dinheiro corrompe o homem, é sujo e representa a origem de todo o mal.
O dinheiro é simplesmente a moeda de troca corrente no mundo atual e estando nas mãos certas pode se multiplicar em oportunidades e bem-estar. Na verdade, pra que eu consiga dar qualquer contribuição para o todo, é importante que eu faça isso de um lugar de segurança. E é atrás disso, entre outras coisas que falarei abaixo, que estou correndo atrás.
2. Criativo/artístico
Pra mim o brasileiro é o povo mais criativo que existe, e os memes são uma prova viva disso. Entretanto, as redes sociais parecem ser um espaço em que as pessoas transbordam suas criatividades de maneira que só os acionistas (e alguns poucos influencers que estão no topo da pirâmide) realmente ganham com isso.
De qualquer forma, embora eu reconheça e deseje que cada um se dedique à dar vazão à sua criatividade e expressar sua subjetividade, não sou ingênua a ponto de achar que todo mundo vai ser “artista profissional” ou vai conseguir viver da sua arte.
Estamos no capitalismo, num mercado de arte feroz e excludente, reféns de plataformas e algoritmos, no Brasil sob um governo que se pudesse queimaria livros, cinematecas, quilombos e aldeias, e desmantelaria a cultura fio por fio com suas próprias mãos.
Toquei como DJ duas vezes no ano de 2022 e a sensação é boa. Eu sou ruim tecnicamente, nem sei mixar direito, mas minha pesquisa musical é vasta e sustenta pistas quentes até de manhã. Na medida em que volto a tocar aqui e ali, começam a chegar mais e mais convites. É tentador voltar.
Ao mesmo tempo, vejo clipes que fiz no passado bater 3 milhões de visualizações no YouTube e dá vontade de fazer mais, mas preciso ter foco e me lembrar do porquê diminuí o número de atividades a qual me dedicava.
Eu quero finalizar as coisas que começo. Tenho dois filmes que gravei em 2018 para editar e eles estão parados. Me aposentei das festas e discotecagens para focar neles e nesse blog/revista virtual, uma tentativa de lidar com a minha necessidade de compartilhamento de ideias e expressão criativa (que é gigante) e ao mesmo tempo uma alternativa para meu vício em redes sociais.
Acho meu estilo de escrita bastante pobre, mas de qualquer forma, aqui é o espaço para experimentar, falar sobre o que eu tiver vontade, e quem sabe… achar a minha voz.
3. Afetivo
É estranho ser uma pessoa muito tímida e muito comunicativa ao mesmo tempo. Preciso de gente e da minha própria companhia do mesmo tanto: muito. Acho que sou melhor em conhecer pessoas do que em manter amizades.
Foi difícil achar um equilíbrio. Fazendo essa retrospectiva, é engraçado perceber o quanto eu tive que me fuder antes das coisas começarem a dar certo. Dos 25 aos 29 anos, quando eu trabalhava com mil coisas legais ao mesmo tempo, afetivamente eu me sentia cada vez mais triste.
Trabalhar na noite é muito diferente de viver a noite, e minha vida social virou trabalho.
Eu me sentia cada vez mais sozinha, embora conhecesse muita gente. No campo social, fortalecia cenas e movimentos que eu acreditava, mas eu mesma estava vulnerável. A incerteza da minha vida financeira me deixava cada vez mais presa em casa, sem condições de viver uma vida social que não fosse trabalho.
Eu trabalhava de casa before it was cool, tinha que ficar na internet o dia todo divulgando evento. À noite e aos fins de semana sempre estava tocando, e quando não, sair era sinônimo de networking.
Minhas relações passaram a ser cada vez mais virtuais. Meu nome ficava mais conhecido na cidade e na internet, a qual eu fui ficando mais e mais viciada, ao passo que me progressivamente me distanciava e não conseguia nutrir minhas verdadeiras amizades.
Eu postava o dia todo nas redes sociais, o que significava passar grande parte do dia respondendo interações de desconhecidos, enquanto deixava meus amigos de verdade no vácuo por dias… ou semanas. Como não respondia os convites recebidos, ou simplesmente não comparecia, passei a ser menos convidada.
A sensação de não ter laços sólidos de amizade abriu portas pra um relacionamento super abusivo, pois eu via ali um melhor amigo e um super companheiro. Meu único porto seguro (que ilusão).
Por muito tempo eu quis pertencer a grupos. Hoje acredito que verdadeiros amigos são poucos, a gente conta nos dedos. E felizmente eu tenho os meus. Alguns destes me acompanham há vinte anos. Não são todos da mesma galera, alguns deles mal se conhecem, mas me sinto grata por tê-los e me esforço em mantê-los perto.
Envelhecer/amadurecer também foi fundamental para entender a importância da minha família. As feridas do coração também curaram, e hoje moro junto com um companheiro que é um sonho de homem e me ama muito.
Ele não tem redes sociais. Eu ainda sou viciada em Instagram, mas fico pelo menos 60 dias fora pra cada 10 dias dentro… focando em viver a minha vida real. Tem muita gente que só interage comigo quando estou por lá, mas meus verdadeiros amigos sempre sabem o caminho pra me achar. E com eles a relação está muito mais forte.
4. Social
Das cinco áreas da vida, a atuação social, a contribuição para o coletivo, ainda é em mim a mais frágil. O que acontece na sociedade me afeta muito, mas ainda me sinto muito impotente, paralisada. Sei que poderia fazer mais.
Talvez nesse sentido ainda haja alguma confusão da minha parte, porque trabalhar com propósito – fortalecendo causas que acredito – continua sendo algo muito importante pra mim. Por outro lado, por mais bem intencionada que seja uma empresa, atuando no capitalismo a cabeça ainda dá muitos nós.
O que faço é tentar manter a consciência crítica e o coração empático.
5. Espiritual
Já passei pela ayahuasca, já passei pelos terreiros, e depois de algumas crises de fé com essas novas filosofias “quânticas”, entre muitas aspas… cheguei ao hermetismo.
Ter passado por essas filosofias new age foi importante porque me levou ao desejo de beber da fonte do conhecimento espiritual clássico, da Bíblia ao Bhagavad Gita, passando pelos budistas.
Hoje em dia não tenho religião. Tenho muita fé em Deus e vejo/sinto a presença divina no meu dia a dia, se manifestando na natureza e nas coisas mais simples e maravilhosas.
Acredito que estou na Terra para aprender a amar, a mim mesma e ao próximo, e a servir.
Sou médium e tenho uma sensibilidade aflorada, e embora não mais incorpore, sei que tenho meus guias, que continuam me acompanhando e abençoando mesmo que eu siga de maneira independente.
Um dia, lavando louça, comecei a rezar assim:
Que por onde eu passe,
eu abra caminhos, como exu
tenha mãos de cura, como caboclo
na boca sempre palavras de sabedoria de um preto-velho
e a pureza no olhar de um erê.
…E que assim seja.