Se essas esquinas falassem – O olhar de Coniiin e a subjetividade da rua

Lembro da primeira vez que peguei numa câmera. O Matheuzin, camarada meu de BH que tá morando em SP, fotografava eventos. Ele me arrumou um ingresso pra um show do Ponto de Equilibrio, banda que eu gosto muito.

Sempre fui muito observador. Era uma noite fria, e eu me lembro bem. Fiquei de canto olhando tudo com atenção: o jeito dele fotografar e trabalhar, sempre muito ligeiro e respeitoso, sabia chegar e pedir licença… aquilo me deixou encantado.

Certa hora eu pedi: “Ô Matheuzin, cê pode me emprestar sua câmera?” Quando eu comecei a ver através do visor, ele me explicando o básico de onde eu devia olhar pra fotometrar, algo mudou dentro de mim. Na medida que eu comecei a entender a câmera meu coração começou a bater mais forte, perceber mais as coisas ao meu redor… Minha visão realmente se ampliou naquele momento.

Nessa época eu trabalhava numa fábrica de cosméticos aqui no meu bairro, fiquei lá dois anos. Antes disso eu tinha feito vários bicos, em gráfica, entregando colchão…

Foi um período importante na minha vida em que eu comecei a entender mais sobre questões sociais, e raciais também. Na fábrica os salários sempre atrasavam, mas os donos continuavam trocando de carro como quem troca de roupa.

Eu via muita coisa errada, que eu não sei se as outras pessoas não viam ou simplesmente não tinham coragem de falar porquê precisavam daquele serviço e daquele dinheiro. Mas como eu era muito novo e morava com meus pais, não tinha nem filho pra criar nem compromisso de pagar aluguel, eu falava tudo que pensava.

Meu pai trabalhava lá também, eu via o quanto ele ficava esgotado por aquele serviço e aquilo me matava por dentro. A cada dia trabalhado na fábrica crescia em mim a certeza de não querer trampar de carteira assinada e sim fazer meu corre independente.

A fotografia entrou na minha vida nesse momento. Depois que peguei uma câmera pela primeira vez, no show do Ponto de Equilíbrio com meu amigo Mathezin, o impacto foi tão forte no meu interior que uma semana depois desse dia eu fui nas Casas Bahia e comprei uma câmera no carnê, dividido em 12 vezes… e fui pagando.

Eu estava decidido a viver de fotografia.

Minha fotografia é um reflexo do meu sentido, da forma como vejo o mundo, desde aquela época até hoje… E eu sou míope, uso óculos.

Talvez por isso sempre tenha focado muito em detalhes, texturas… composição.

No início eu fotografava festas de criança e ensaios com produções criativas. Depois tive a oportunidade de fotografar teatro e passei a entender mais sobre expressão corporal, que é uma coisa que eu piro muito. Eu amo fotografar dança, inclusive.

A fotografia me levou de encontro com pessoas e momentos que foram agregando muito na minha consciência, desde eventos de Hip Hop e Reggae à rodas de conversa que me ajudaram a compreender que a presença da política na nossa vida cotidiana.

Foram anos fotografando eventos e aprendendo muito com isso. Eu gosto de registrar o processo, desde a galera da produção trocando uma ideia antes da festa começar até os imprevistos que rolam, por exemplo a luz acabar.

A luz acabou, eu vou ficar parado? Eu não, fotografo ainda que seja a frustração daquela pessoa de canto conversando com um amigo. Isso me fez treinar muito minha criatividade, porque eu tinha que dar um jeito de fazer aquilo acontecer, jogava um flash, luz de celular.. Por outro lado, já recebi críticas de que minhas fotos eram muito boas… mas não eram comerciais.

Chegava num evento e os contratantes me pediam pra fotografar “pessoas bonitas”.

Mas por quê aos olhos dos contratantes as tais pessoas bonitas são sempre as brancas?

Não ganhei muito dinheiro com a fotografia e ainda me encontro numa construção bem lenta nesse sentido, mas ainda assim fico feliz por ver onde estou e a consciência que adquiri no processo, o ser humano que estou me tornando.

Hoje tô começando mais a compreender e traçar estratégias de como eu posso fazer a fotografia render mais financeiramente, e é bem cabuloso, porque eu não quero nem voltar a trabalhar de carteira assinada nem pra pessoas que eu não gosto.

Se for pra eu passar raiva que seja com alguém que esteja lado a lado comigo… E é assim que tem sido. Hoje corro com gente que me compreende e tem uma missão comigo e mesmo assim é um corre bem complexo saber dividir as coisas, amizade e profissionalismo.

A gente ainda não tem muita estrutura, então é sempre aquela busca por meios para divulgar a nossa missão, o que a gente pensa.. e ainda assim atuar dentro do mercado. Foi assim que vi que além da fotografia, precisamos entender de empreendedorismo, aí eu comecei também a entender mais a importância do networking também.

No começo eu não queria pensar em dinheiro… Só que isso é viver nas nuvens, e como a gente vive na Terra a gente tem que arrumar a melhor forma de se viver por aqui.

Não é que eu queria exatamente ser rico… Mas quero estar bem estruturado pra conseguir oferecer uma melhoria pra minha família e pros meus amigos, e conseguir dar oportunidade pra mais pessoas.

Mesmo que a fotografia seja uma das coisas que eu mais amo no mundo, trabalhar com isso também tem suas frustrações profundas.

E por incrível que pareça, uma das maiores decepções que tive foi ao trabalhar com pessoas que me inspiravam. Muitas vezes a gente acaba trabalhando de graça pra essas pessoas… e quando vê não tá recebendo nem grana nem reconhecimento por parte delas… É foda!

Outra coisa que me dói é pegar uns trampos que não me agradam tanto, com pessoas que não tem nada a ver comigo. Quando pego trabalhos assim, desperta em mim a sensação de que mesmo amando a fotografia, eu posso vir a me sentir da mesma forma como eu me sentia na fábrica.

Eu já tive fotógrafos como Sebastião Salgado como referência, tinha sonhos de viajar como ele. Mas só depois percebi que ele tinha muito mais recursos e estrutura… e vi o quão distante aquilo estava de mim.

Então eu fotografo a rua, e pra mim é como viajar o mundo.

A rua é o que mais me encanta e por elas ando sempre com muito cuidado e respeito. Nunca fui de sair fotografando ao léu, ou escondido. A maioria das fotos que eu fiz ou é de alguém que conheço ou de pessoas me pediram.

Eu não saio fotografando tudo nem todos, acho uma falta de respeito… Tem que saber chegar.

Gosto especialmente da parte documental da fotografia. Passei a reconhecer mais a importância dos meus registros, até mesmo pros meus amigos e pras pessoas próximas.

Eu lembro de uma fala do Link, um amigo, que me disse “Eu fico imaginando meu filho vendo essa foto que você fez de mim.” Isso me desperta um desejo ainda maior de registrar as minhas vivências e dos meus. Eu quero que meu trabalho permaneça.

Todo mundo sempre tem um fotografo na família… eu me sinto assim, só que da rua.

Faço meu trabalho pensando em umas quatro, cinco gerações pra frente… Da mesma forma como quando eu era menor eu me inspirava nos DVDs que assista, eu quero que minha fotografia seja um objeto de inspiração de quem vem pela frente.

No fim das contas eu quero fazer chegar a informação onde precisa chegar: na periferia, nas pessoas pretas, originárias do Brasil e do continente. Busco sempre aprender e compartilhar. Quero ser melhor do que ontem todos os dias, e ver que as pessoas andam comigo estão nesse mesmo corre é uma verdadeira inspiração.

Eu não sou só um fotógrafo. Já tive até algumas neuras em relação à isso. Mas às vezes sinto que as pessoas olham pra mim e vêem alguém tem uma câmera e que tira foto… e eu sou muito mais do que isso. Eu sou uma pessoa criativa.

Hoje além da fotografia me insiro também na produção artística audiovisual, gosto de criar roteiros, dirigir. Tenho me envolvido mais dentro da música também. Por mais que eu tenha um foco, gosto de entender o processo geral de como as coisas (e produções criativas) funcionam.

Quanto mais eu expando minha área de atuação, mais percebo que nada é feito por uma pessoa só. A produção de qualquer coisa valiosa é uma composição feita por várias pessoas, em que todos são igualmente importantes.

Por isso eu faço tanta questão de valorizar cada um que tá comigo, cada um que me ajuda… Principalmente nesse início de caminhada. Quem faz o cabelo, a maquiagem, quem filma, quem edita, quem faz o lanche, quem busca o lanche… Aquelas pessoas não estão ali por acaso, elas estão ali porque fazem parte, elas são parte daquilo ali.

É uma guerra diária que parece que não tem fim. Por mais que você chegue no auge das suas conquistas, quando você tem consciência do mundo que você vive, do país, da cidade que você vive…

O sucesso individual não é suficiente. Eu corro com os meus e pelos meus.

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