Matéria Prima – A referência das suas referências se divide entre vários freelas e não vive de rap

Matéria Prima ganhou notoriedade no rap nacional no fim da década de 90 quando rimava junto com Kamau, Marechal, De Leve e Shawlin no Quinto Andar, grupo de rap de Niterói que fez história com clássicos como “Rimo na Direita” e “Vai Vendo”.

De lá pra cá, teve a oportunidade de rodar a Europa ao lado do seu grupo Zimun e abrir shows de grandes nomes como Jurassic 5, Lauryn Hill e Talib Kweli.

Matéria tem 40 primaveras e desde 2017 solta pelo menos um disco solo por ano. O homem trabalha, e muito. Pra se manter, Matéria já ralou de barman, garçom, quick-massage, tradutor, locutor, fotógrafo e ator de teatro.

Referência tanto para representantes da velha escola do Rap BR como Kamau e ParteUm, quanto da nova escola, como NiLL e Delatorvi, Matéria Prima acumula mais de 20 anos dedicados à arte, sem entretanto, tirar dela o seu sustento.

Entre áudios e textos nesta entrevista que aconteceu via Whatsapp, Matéria nos revela um pouco sobre o que lhe motiva a permanecer fiel à sua produção criativa apesar do baixo retorno financeiro imediato.

Spotify dá dinheiro?
Pra alguns sim, pra outros não

Pra você
Não

Nada?
Quase nada.

O que você acha do modelo dessas plataformas de streaming?
Vi uma entrevista recente do Mos Def em que ele diz que o Spotify é tipo um vizinho que ele não gosta, mas tem que conviver. E ele ainda fala: quem acha normal a ideia de dividir um centavo em 4 partes? Volto em 30 mins, vou dar uma aula.

Enquanto espero o Matéria dar a aula dele (de inglês provavelmente, idioma que ele fala com um perfeito sotaque nova-iorquino, adquirido à custas de décadas de muito rap nos fones de ouvido) penso em Cartola.

Nascido em 1908, foi gravar seu primeiro disco em 1966. Já tinha fundado a Estação Primeira de Mangueira há bem tempo, e provavelmente já tinha vendido vários sambas de sua autoria pra outros intérpretes, mas dele mesmo o disco próprio só veio muito tempo depois. Diz a lenda que Cartola, já idoso, trabalhava num lava jato quando o convite de gravar seu LP enfim chegou.

Quando você pára pra pensar na sua trajetória como artista, quando ela começa?
Começa quando eu ouvia de Michael Jackson à Mercedes Sosa enquanto minhas irmãs faziam faxina e eu ajudava passando enceradeira. Cê sabe quê que é enceradeira?

O que vem antes, o ovo ou a galinha? O rap ou o skate?
O skate trouxe o rap, a moda, o cinema, a literatura e a adrenalina.

É quanto tempo na arte?
É 20 e poucos anos

O que te movia no começo? O que te move agora? (em relação à fazer música)

Acho que o que me movia no começo é o que me move até hoje: um instinto de criar, uma vontade de traduzir e dar forma aos pensamentos que vêm.

Eu acho que a gente é só um instrumento da arte. E isso não tem uma conotação romântica: às vezes é muito mais conflituoso do que harmônico, mas me abro para entregar o que a energia da arte pede que eu entregue.

Em que sentido ser instrumento da arte é conflituoso?
A necessidade de aprovação quando se assume a arte como profissão. Lembro de você me mostrar uma matéria que dizia que se a gente medisse a qualidade da arte por quanto a gente ganha dinheiro com ela, a gente ia distorcer muitos trabalhos.

Mas quando você decide que vai trabalhar com arte pra se sustentar e ter o mínimo de dignidade, e manter a integridade do que faz, e não tem retorno pelo que faz… é osso.

Por isso agora eu corro atrás de ter um trampo pra não me preocupar com a música ser ou não ser uma fonte segura de renda, e também não me machucar mais com isso…

O que mudou na sua expressão, na sua escrita e na sua arte como um todo nesse meio tempo?
Hoje eu quero me divertir no processo mais do que qualquer coisa. Tem que ser bom. Percebi que o jeito que fazia minha arte me desgastava muito. Agora tem que ser gostoso de fazer.

O que tanto te desgastava tanto no começo da sua carreira?
Ah, inseguranças, timidez, muita pesquisa e pouco recurso pra fazer acontecer, entre outros…

Expectativas em relação à arte que nunca se realizaram:
Viver única e exclusivamente da arte e algumas parcerias que não se realizaram, mas quem sabe…

Conquistas que você nunca imaginou que aconteceram de fato:
Abrir shows pra artistas gringos (Jurassic 5, Lauryn Hill e Talib Kweli) e ir pra Portugal e Itália através da música… (salve, Zimun!)

Você com certeza viu ao longo de todo esse tempo muita gente desistindo de fazer som, talvez por não ter ganhado muita grana ou ter se desiludido com a cena de alguma forma

É fácil desiludir quando a demanda pra criar e fazer um trampo gera muito desgaste: horas de sono perdidas, ansiedade, hiperfoco que tira a atenção de outras coisas na vida que precisam de entendimento, gasto com estúdio, mix, master, capa, promover o disco, e hoje é indispensável o clipe, contatos, em alguns casos compra de like e views, etc…

Aí depois a coisa pode morrer na praia ou ficar estagnado porque tão prestando atenção em outra coisa que, às vezes, não fez metade do que você fez e tem resultado. Mas esse é o jogo. Se você quer viver disso, tem esse porém.

Você lançou 5 discos nos últimos 4 anos: tem produzido como nunca mas falou que o Spotify te rende quase nada de grana. Ao mesmo tempo, estamos há quase dois anos sem shows por causa da pandemia.

Ou seja, você continua produzindo pra caralho, talvez mais do que nunca, seu último disco tem 18 faixas e uma hora de duração, mesmo sem que isso seja sua fonte de renda principal.

Eu sou inquieto, e não consigo ficar parado, independente do trabalho que dá fazer e da falta de retorno financeiro. Spotify vai no conta-gotas… contei como ajuda de alguns amigos e de um trabalho que comecei a fazer antes da pandemia pra ajudar no meio do caos.

Os discos nos inundam e depois escoam através da gente. É um processo meio incontrolável. Daí transformar isso que é quase uma força da natureza em um produto é meio problemático pra alguns.

Eu acho que tem alguns artistas que são só artistas… E outros artistas que são comerciantes também.

Quais as diferenças que você vê entre o cenário do rap de quando você começou e o de agora?
Agora a gente dá mais preferência pra som e audiovisual do que pra letra.

Qual é o trabalho mais importante pra vc?
Eu acho que á partir do 2 ATOS, todos são importantes. Mas o 2 ATOS e o VISÃO foram os mais versáteis que já fiz…

Em que vc tá trabalhando no momento e quais os planos pro futuro?
Umas coisas que não sei quando acontecem, mas já digo que vai ser diferente de novo rsrs

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