Há sete anos atrás comprei o meu primeiro Tarot. Eu trabalhava na Umbanda e recebia uma cigana que por meio do meu corpo conversava com as pessoas e dava passes.
Escolhi logo o de Marselha, o mais tradicional de todos. Comprei pela internet e recebi em casa um deck com 22 arcanos maiores (cartas ilustradas com símbolos marcantes, figuras humanas e celestiais); e 56 arcanos menores, divididos em 4 naipes.
Na caixa, além do deck vinha um pequeno livreto, que apresentava cada carta à partir de uma dezena de palavras-chaves, muitas vezes contraditórias entre si.
Se pensarmos que a palavra ARCANO significa SEGREDO, os arcanos maiores dizem dos grandes segredos da vida, os segredos da alma; enquanto os arcanos menores dizem dos segredos menores, da vida prática e cotidiana.
Em muitos tarots mais contemporâneos, como o popular Tarot de Rider Waite, os arcanos menores são ilustrados com situações e símbolos que traduzem parte do sentido da carta.
Não é o caso do Tarot de Marselha. Nele, apenas os arcanos maiores são ilustrados, os menores possuem o símbolo do naipe do qual fazem parte reproduzido tantas vezes quanto são o número da carta e pronto.
Ou seja, se você não conhece o significado das cartas… elas não te dizem absolutamente nada, por mais que você tenha uma cigana como guia espiritual, ou quem quer que seja:
Não há intuição que resolva a falta de conhecimento e estudo.
Eu deitava as cartas e elas mais me confundiam do que explicavam. O significado dos arcanos menores me parecia completamente impenetrável.
Eu jogava apenas com os maiores (as cartas ilustradas, com figuras mais ou menos familiares). Lia as palavras-chave no livretinho, no site do Clube do Tarot, e das raras vezes que conseguia extrair algum significado do jogo, sentia que as cartas estavam era me dando um tapa na cara.
Resolvi não mexer mais com isso… E assim, meu deck ficou anos parado em uma gaveta, junto com os panos, as jóias e os demais apetrechos da cigana.
Embora sensitiva, sempre fui uma pessoa muito curiosa e questionadora, que tem o defeito de querer explicação lógica até mesmo para o que ultrapassa o entendimento racional.
Perguntava pro preto velho se ele morria, pro erê se existia vida em outros planetas e pra pombo-gira onde é que ela morava. Ficava incomodada com o modo como os caboclos eram caracterizados, de uma maneira meio romantizada à la José de Alencar, enquanto ninguém falava um “A” sobre o genocídio indígena em curso no mundo real.
Minhas perguntas não eram respondidas, minha fé começou a bambear… e a mão boba de um irmão de santo mais velho foi a gota d’água pra me afastar de vez do terreiro.
O meu idealismo juvenil não me permitia discernir a dimensão humana do meu pai e irmãos de santo. Esperava deles uma postura moral tão elevada quanto a dos seres e santos aos quais orávamos, e encontrando no lugar desta os erros e defeitos humanos – a inveja, cobiça, ganância, luxúria, maledicência – me desapontava enormemente.
Saí da casa, mas nunca deixei, entretanto, a minha busca e o meu contato com a espiritualidade.
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Acho que o período dos meus 20 aos 30 anos, embora recheado de prazeres e novas descobertas, tenha sido a fase mais dolorosa da minha vida. Nenhuma compreensão veio de mão beijada. Pra tudo eu tive que ralar o joelho – e muitas vezes a cara na brita – pra aprender.
Dei cabeçadas para encontrar meu caminho profissional, criativo, afetivo e também espiritual. Estive imersa em relações não saudáveis (pra não dizer abusivas) em todos esses campos.
Não me coloco (mais) como vítima desses processos, porquê sei que estes foram os caminhos que tive de passar para abrir meus olhos e me ensinar preciosas lições, como uma pré-adolescente tomando seus primeiros porres de vodka com fanta laranja antes de aprender a beber. Quem nunca?
Tem uma anedota budista que para fazer boas escolhas você precisa de ter experiência, e pra ter experiência, você precisa ter feito más escolhas. Não considero, entretanto, que fiz más escolhas. Eu fazia o melhor que podia, baseado na consciência que tinha na época.
Me guiava pelo mesmo desejo de aprender sobre a vida e comungar com a beleza que tenho hoje. Venho refinando meus impulsos, amadurecendo. No caminho tive recorrentes crises de identidade e fé. Minha dúvida sempre foi do tamanho da minha crença (enorme), mas nunca deixei de buscar.
Hoje aos 31 anos já me encontro na beira do caminho que quero seguir pro resto da vida. Ainda não li todos os livros que quero ler, mas já sei quais livros são, ou no mínimo, de quais fontes irei buscar o conhecimento que almejo. Agora é trilhar.
Meu tarot ficou muitos anos guardado, junto com as coisas da cigana. Sete anos depois desse primeiro contato, senti novamente o desejo de abri-lo… e como uma rosa desabrochando, de repente as cartas fizeram sentido pra mim.
Como quem rememora um conhecimento, vislumbrei com facilidade que existe uma lógica por trás daqueles símbolos e códigos. E então, sabendo como disse no começo do texto que intuição sem conhecimento não serve de nada, fui atrás de estudar. E assim, mais uma vez, me coloco como aprendiz.