Zettelkasten, CommonPlace Books e outros métodos de estudo ativo que potencializam a criação

A máxima que postula que “um bom artista rouba, um grande artista copia” foi atribuída à Picasso por Steve Jobs na década de 80. Se pensarmos na influência da arte africana sobre o cubismo, talvez isso seja verdade, mas o pintor espanhol nunca disse exatamente isso.

Outros artistas (como o poeta inglês T.S. Eliot, o pianista russo Igor Stravinsky e o escritor William Faulkner) realmente expressaram a ideia, em variações levemente diferentes da frase.

Não entrando agora nos pormenores da possibilidade (ou impossibilidade) da originalidade criativa, uma coisa que frequentemente me impressiona é a capacidade de alguns escritores de incluírem trechos e citações de outros artistas e pensadores que se encaixam de maneira perfeita em seus textos.

Como memorizaram tudo aquilo? Será que tinham algum sistema de coleta e armazenagem de referências, a qual saberiam lançar mão com maestria no momento certo?

Naturalmente houveram tantas práticas de estudo quanto diversos são os artistas e pensadores que passaram por essa Terra, mas nos últimos tempos tive contato com algumas metodologias que gostaria de compartilhar com vocês, enquanto tento aplicá-las em minha própria vida, afinal de contas é praticando (e ensinando) que se aprende.

Há muitos anos li um conto do Machado de Assis que fala de uma ideia luminosa – um ser alado que visita um homem, e vai embora tão repentinamente quanto chega. Tenho uma vaga lembrança do argumento da história, mas me escapam seus detalhes. É isso que acontece com grande parte das coisas que lemos – aliás, será mesmo Machado de Assis?

Um dia estudarei sobre a memória e poderei trazer dados, com certeza inexatos, sobre a porcentagem que retemos dos pensamentos que nos atravessam. Arrisco dizer, baseado exclusivamente em minha própria experiência, que grande parte do que lemos e pensamos se perde. A nossa mente foi feita para ter ideias, não para armazenar ideias.

Por isso confio tanto no papel… e na tela em branco do computador. De compromissos com e sem horário marcado ao que aconteceu de melhor na semana; de listas de compra à lugares que eu quero visitar um dia; ideias boas e ruins que talvez eu nunca seja capaz de realizar: eu registro tudo.

…Ou quase tudo, porque só agora inicio o hábito de realizar um estudo ativo, em que tomo notas do que leio/assisto/consumo.

Imagem simplesmente ilustrativa. Não concordamos com a Frenologia neste site.

CommonplaceBook é como um livro pessoal de estudo, uma espécie de diário, não exatamente de acontecimentos, mas de pensamentos.

A ideia não é nova. Ainda que não usassem esse nome (naturalmente), existem exemplares de livros pessoais de estudo desde a Grécia Antiga, inclusive de grandes pensadores como Aristóteles e Teofrasto.

Ao longo da história, outras personalidades também tinham essa prática como Leonardo da Vinci e Thomas Jefferson; os filósofos John Locke, Francis Bacon, Gottfried Leibniz, Friedrich Nietzsche, Walter Benjamin, Ludwig Wittgenstein; e os escritores como Virginia Woolf, Mark Twain e Henry David Thoreau.

Você pode fazer seu livro pessoal de estudo de forma analógica ou digital. A metodologia é livre, de acordo com o gosto do freguês: você pode ter um pra cada área que te interessa, ou separar um caderno em partes, ou anotar tudo junto mesmo.

Um outro método de otimizar o uso do nosso HD interno 🧠 é o Zettelkasten. Esse método de estudo ativo foi criado por Niklas Luhmann, um socióloho alemão que ao longo da vida publicou mais de 70 livros.

Zettelkasten significa caixa de madeira em alemão. Em um tempo pré-digital, Luhmann mantinha duas caixas, uma para citações e outra para ideias próprias. Ambas as caixas possuíam pastas onde ele organizava as notas segundo o seu tipo, categoria ou área.

Na prática funciona assim: Você está lendo um livro e uma passagem te marca muito ou inspira uma nova ideia. Em um cartão, você registra a citação ou o seu pensamento de maneira atômica, ou seja, cada nota deve ter uma ideia completa em si mesma.

Quando era uma citação de um livro, o Luhmann colocava na caixa de madeira que ele chamava de “Literatura”, que era de registros de escritos de outras pessoas. Quando era uma ideia (ainda que uma síntese parafraseada de ideias de terceiros) ele botava na outra caixa.

Com o passar do tempo, você começa a acumular cartões/notas sobre os seus temas de interesse/ trabalho e estudo.

Por exemplo, vamos supor que você é uma pessoa que estuda sobre gênero e tá lendo o livro “Calibã e a Bruxa”. Aí você vai criando as notas, que fazem sentido de forma isolada, por elas mesmas, sobre o que você está lendo. Você organiza essas notas em pastas, como “Patriarcado”, “Demonização da Mulher”, “Trabalho feminino não remunerado” e por aí vai.

Aí você continua sua vida, lendo outros livros que podem abordar os mesmos temas, e aí vai alimentando essas pastas com novos cards/notas de novos materiais. Naturalmente, as pastas mais recheadas dizem de assuntos que te interessam especialmente. Pense em como isso facilita a vida de um escritor ou criador de conteúdo. É só pegar os cards com notas que você foi acumulando ao longo do tempo e entender como elas se relacionam.

Precisou de uma citação sobre determinado tema? Você sabe em que pastas procurar.

Livraria Dujiangyan Zhongshuge, na China.

Se no passado, a versão analógica do Zettelkasten só nos permitia colocar cada card em uma pasta (a não ser que você escrevesse a nota duas vezes e a colocasse em duas pastas), a tecnologia nos permite catalogar nossos átomos de conhecimento em diferentes pastas.

Além da possibilidade de organizar nossas notas em pastas, o aplicativo Obsidian (muito usado por adeptos do método) permite que adicionemos hashtags aos cards e assim posteriormente façamos as buscas pelas tags.

Outra funcionalidade incrível desses aplicativos é o gráfico gerado a partir da conexão das diversas notas que você vai acumulando em seu sistema. O aplicativo conecta os cards pelos temas e hashtags utilizados, e assim, aquele processo de conexão de informação fica ainda mais potencializado. Observe que os gráficos gerados se parecem muito com as sinapses do cérebro.

Vivemos a era da informação, mas estamos cada vez mais burros. Segundo pesquisas em países como Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França, as crianças nativas digitais representam a primeira geração de crianças com QI abaixo de seus pais.

O grande desafio do nosso tempo é 1) ser capaz de realizar uma curadoria do que recebemos e 2) transformar informação em conhecimento.

Como você tem feito isso?

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